>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana:
Terça-feira, dia 8, 22 horas, a longa mesa retangular de madeira posicionada na varanda reunia a seu redor parlamentares que são adversários renhidos no plenário, em um clima de entrosamento azeitado como nunca. Cerca de 30 deputados atenderam ao convite do anfitrião, o senador Eunício Oliveira, do PMDB do Ceará, para discutir seu futuro em um jantar na residência oficial da presidência do Senado, na Península dos Ministros, em Brasília. O encontro serviu para combinar a votação da reforma política na Câmara. Na verdade, significou mais que isso. Foi uma celebração da manutenção do statu quo político, tão ameaçado pelas descobertas e consequências das investigações da Operação Lava Jato. Pairava no ambiente o consenso em torno da aprovação de um fundo de dinheiro público para financiar as eleições de 2018, algo impensável meses atrás, que se tornou possível. A concordância e o congraçamento eram tamanhos que a nota crítica da reunião recaiu sobre um tema lateral, a qualidade do vinho servido por Eunício, dono de um patrimônio declarado de R$ 99 milhões e enófilo sofisticado. Os parlamentares se ressentiram de não ter sido abastecidos com taças do vinho argentino Nicolas Catena Zapata (cerca de R$ 600 a garrafa) disponível na adega do peemedebista, mas por um Alamos Catena, que é “categoria de supermercado” da mesma bodega (R$ 60 a garrafa). “É o instinto de sobrevivência”, resumiu um ministro.
O petista Vicente Cândido, relator da proposta de reforma política na Câmara que inclui o fundo, confraternizou com os tucanos Shéridan Oliveira, deputada, e José Serra, senador. Beberam do mesmo vinho os ex-presidentes da República José Sarney (investigado em um inquérito derivado da Lava Jato no Supremo), do PMDB, e Fernando Collor, do PTC (cinco inquéritos), os senadores Renan Calheiros (11 inquéritos), Romero Jucá (cinco inquéritos), Jader Barbalho, do PMDB, e o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, do DEM (um inquérito). Collor e o senador Armando Monteiro, do PTB, chegaram a suscitar a discussão sobre se não seria melhor tentarem voltar com as doações empresariais. Mas foram rapidamente dissuadidos da ideia, com o argumento de que era preciso apresentar à sociedade algum modelo “novo” – desde que capaz de manter tudo como hoje. Ameaçados pela Lava Jato – a classe política como um todo e parlamentares em particular – se alinharam para construir a saída. No dia seguinte, a comissão especial da Câmara aprovou, por 25 votos a 8, a criação de um fundo de R$ 3,6 bilhões para custear as campanhas do ano que vem.
Batizado com o republicano nome de Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FFD), esse cofre eleitoral vai custear as campanhas de todos os candidatos ao Executivo e Legislativo em 2018. Quando o assunto é dinheiro para eleição, quase nenhum político é contra. O texto prevê que 0,5% da receita corrente líquida da União, ou seja, R$ 3,6 bilhões, financie os que aspiram a um mandato. Uma projeção de gasto extra exatamente no momento em que a equipe econômica ensaia anunciar que a meta fiscal deste ano será revista para um déficit superior a R$ 139 bilhões. Os políticos já dispõem do fundo partidário, que auxilia nas despesas eleitorais, mas o valor previsto para ser repassado às legendas neste ano foi de R$ 819 milhões, considerado baixo pelos deputados. “A sociedade não quer que empresa doe. Mas agora também não quer que o financiamento seja público. Vocês querem o que, então? Custear a eleição com dinheiro público não é gasto, é investimento em democracia”, defendeu o presidente da comissão, deputado Lúcio Vieira Lima. “Vai lá perguntar na Venezuela, se eles tivessem a opção, se não iam querer que o dinheiro do contribuinte bancasse a democracia lá.”
Há outras questões relevantes a serem discutidas em uma reforma política. A cláusula de barreira e o fim das coligações em eleições para deputado e vereador acabariam com graves distorções do sistema. Mas esses dois pontos e outros, como a possibilidade de partidos se unirem em federações, são temas que poderão ser votados em outra proposta, que partiu do Senado e está sendo relatada na Câmara pela deputada tucana Shéridan Oliveira. Mas essa matéria, é claro, conta com muito menos empenho dos parlamentares. Receoso da impopularidade, o Palácio do Planalto ficou longe. “O governo considera que a reforma política tem força própria no Congresso Nacional”, diz o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy. A reforma política dos congressistas está resolvida. A reforma política que interessa aos brasileiros pode esperar.
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